No último dia 24 de Novembro, uma matéria da “Folha de São Paulo” estampa um problema tradicional associado aos rios amazônicos, em especial ao rio Madeira, que atravessa os estados do Amazonas e Rondônia. Trata-se da extração de ouro através de balsas garimpeiras, que naquele dia, acabava de saltar em escala e forma de operar. Antes de avançarmos na descrição do problema, vamos a algum contexto.
Não é de hoje que balsas garimpeiras são usadas para sugar o leito dos rios em busca de minerais de elevado valor econômico, quase sempre o ouro. A técnica é antiga e difundida globalmente, sendo fácil encontrar exemplos de extração de ouro por sucção do fundo de rios, seja na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Austrália, Peru, na África e outros mais.
No episódio do rio Madeira, o que assusta não é a técnica, mas a escala, a forma “consorciada” de operar e a “convicção” da impunidade. Nesse tipo de extração, balsas são equipadas com bombas, mangueiras, mergulhadores, esteiras de separação, tambores de concentração e mercúrio.
Das balsas, mergulhadores descem com mangueiras até o leito do rio. As bombas então sugam o sedimento de fundo e água até as calhas de separação no interior da balsa. Nas calhas, o fluxo contínuo de água e a diferença de densidade, separa o ouro dos materiais outros. Dali, o pó de ouro (característica do ouro amazônico) é transportado até tambores de concentração. E, aqui, se dá o uso do metil mercúrio. Adicionado aos tambores de concentração, é usado para iniciar a aglutinação química entre o “pó de ouro” e o mercúrio, criando a chamada amalgama de “ouro” (de ouro e mercúrio).
Por fim, a amalgama é aquecida e o mercúrio, é parte vaporizado e parte liquefeito. A parte do vaporizada vai parar no pulmão do garimpeiro, a parte liquida, ao final da operação será despejada no rio, iniciando o processo de bioacumulação por toda a cadeia trófica. Assim, está concluída a aglutinação e separação entre pó de ouro e mercúrio.
Como dito anteriormente, a novidade do episódio está na escala e forma de operar das balsas. No dia 24 de Novembro, viu-se como poucas vezes na história do país, a constituição de clusters/conglomerados de balsas, organizadas em linhas, quase que em consórcio, formando frentes de extração de ouro.
Fotografia de Kelly/Bruno/Reuters
Com exceção da utilização de mercúrio a atividade garimpeira por uso de balsas é passível de licenciamento. Mas, ao que se pode levantar, todo o conglomerado opera sem nenhum tipo de licença ambiental, de qualquer que seja o órgão regulador, em qualquer que seja a esfera administrativa.
Trata-se portanto de uma operação ilegal, mas organizada em “consorcio” e de larga escala. Por todas estas características, esse tipo de atuação criminosa, demanda muito desprezo pelas leis ambientais e da certeza da impunidade. Mas, fossemos nós os garimpeiros ilegais, não poderíamos sentir sensação diferente, já que os mesmos operam por mais de um mês nas aguas do rio Madeira, sem que nenhum evento/ação de fiscalização pelos órgãos competentes tenham ocorrido.
É reconhecido pela comunidade cientifica e de domínio publico, que imagens de satélite da região já mostram atividade de concentração de balsas de extração de ouro, afixadas no atual trecho do rio Madeira, há pelo menos 1 mês. É o que mostram as imagens do satélites CBERS4A [do INPE] e Sentinel-2 [da ESA], ambos de domínio público, bem como imagens de alta resolução e diárias da constelação de satélite da empresa Planet, de domínio privado, porém adquiridas pelo governo do Brasil.
Mais além, seja por imagem de satélite ou por simples buscas no Google, pode-se rapidamente constatar que esse mesmo rio, sofre da ação não licenciada de mineradores e suas balsas a muitos anos. A simples busca pelos termos “balsas”, “garimpo” “ouro” “rio Madeira”, nos retorna ação garimpeira de 10, 15 e até 20 anos atrás. O fato novo, é o tamanho/escala da operação e a forma organizada de atuar.
Soma-se ao episódio estatísticas alarmantes trazidas pela rede MapBiomas (www.mapbiomas.org) relativas aos garimpos superficiais na área da bacia do Madeira. Os dados da rede mostram que a área de garimpos na bacia do rio Madeira saltaram de 3753 ha em 2007 para 9660 ha em 2020, uma expansão de 5907 hectares. A área de garimpos detectados para o ano de 2020 é o recorde histórico da série de dados, que conta com 36 anos de imagens de satélite.
Vale lembrar porém, que a rede MapBiomas mapeia a superfície do território nacional, ou seja, captura apenas as extrações garimpeiras que estão acima da lâmina d’água, quase sempre nas regiões aluvionares de rios e passíveis de observação por satélites. As extrações por sucção/dragagem de fundo, desconhecidas quanto a sua extensão, hão apenas de somar-se ao já desanimador cenário de benevolência aos desmandos ambientais do país.
Sobre MapBiomas: iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, método e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa: mapbiomas.org. A Coleção 6 dos mapas anuais de cobertura e uso da terra no Brasil de 1985 a 2020 apresenta de forma inédita o mapeamento de mineração industrial e de garimpo.
Abaixo acompanhe o vídeo de lançamento dos resultados da temática de mineração, garimpeira e industrial, do projeto MapBiomas em sua Coleção 6.0